Crítica – Rua Cloverfield, 10

Rua Cloverfield, 10 é daquele tipo de filme que é melhor aproveitado se o espectador não souber nada sobre ele. As surpresas que se sucedem a cada minuto agradam, o clima angustiante favorece a imersão na narrativa e a dinâmica dos personagens é instável o suficiente para que tudo possa acontecer a qualquer minuto. Uma surpresa que veio do nada, sem aviso prévio e que merece ser assistida.5 min


[SEM SPOILERS]

Sinopse: Após sofrer um acidente de carro, Michelle (Mary Elizabeth Winstead) acorda em um refúgio presa e sendo cuidada por Howard (John Goodman), dono do local, e Emmett (John Gallagher, Jr), que parece estar preso ali por opção.   


Dificilmente acontece algo semelhante ao que aconteceu com esse Rua Cloverfield, 10: rodado praticamente em segredo durante pouco mais de um mês, campanha de marketing praticamente nula e, sem mais nem menos, um trailer é exibido e rapidamente o filme está em exibição. Toda essa estratégia é digna de um dos maiores nomes do cinema atual J.J. Abrams, que produz este filme. Conhecido por cercar suas produções de mistérios, J.J. tem tanta credibilidade em Hollywood que os estúdios compram suas ideias e embarcam no clima do americano. Maior surpresa ainda é saber que esse novo longa é uma continuação indireta de outro filme que J.J. produziu em 2008, Cloverfield, um filme de ataque de monstro em Nova York, que promete muito mais do que entrega, em que a filmagem é no estilo found footage, ou seja, a câmera faz parte da história, normalmente sendo manuseada por um dos personagens, sendo o maior exemplo de found footage A Bluxa de Blair (1999). Mas este Rua Cloverfield, 10 é tão diferente de seu suposto filme de origem, e tão melhor também, que se sustenta como um filme totalmente independente.  


O pupilo que J.J. Abrams escolheu para dirigir Rua Cloverfield, 10 foi o americano Dan Trachtenberg, que faz a sua estreia na função neste filme. Dan faz um trabalho excepcional conseguindo tirar o máximo de um roteiro enxuto, uma ambientação limitada e um elenco minúsculo. E todos esses aspectos mínimos do longa são, na verdade, o grande mérito dele. A sensação de claustrofobia que o refúgio passa é paupável, e o desconforto dos personagens por estarem ali e tendo que conviver por tempo indeterminado causa uma angústia no espectador. Ao mesmo tempo, em determinado momento, o local transmite uma sensação de conforto e aconchego que anteriormente não era possível sentir, causado por determinados acontecimentos no decorrer da projeção. 


O mistério percorre o longa de ponta a ponta. São muitas perguntas, poucas respostas e muitas teorias sendo formuladas pelo espectador durante o filme. Ao mesmo tempo que a narrativa parece apresentar provas que embasam uma teoria, logo algum outro acontecimento acaba por destruir esta mesma teoria, sendo esse jogo de adivinhação um dos maiores méritos do longa, que sempre deixa o espectador instigado e ávido por saber mais do que está acontecendo. O fato do público não saber quase nada sobre os personagens, mesmo aquela interpretada por Mary Elizabeth Winstead que é a principal, causa uma sensação de surpresa à cada atitude de cada um, além aumentar a sensação de impotência de quem assiste, que se sente jogado em uma história na qual não tem controle nem das mais triviais circunstâncias. O roteiro é eficiente em deixar todas as possibilidades abertas, sendo que nenhum personagem é apresentado inteiramente como bom ou mau, mas com várias nuances que permitem diversas interpretações com o decorrer da história, até que as intenções de cada um são finalmente reveladas. A dinâmica entre os personagens, que se desenvolve sem pressa e de maneira orgânica, enriquece o que está sendo mostrado na tela, já que as interações entre os três releva, aos poucos, a personalidade de cada um, fator determinante para o espectador enriquecer suas teorias.


Até quinze minutos antes do final, o longa é minimalista e segue uma linha de menos é mais, colocando todo o peso do filme nas interpretações dos atores e no mistério que envolve toda a história. Quando o filme deveria acabar, eis que o roteiro resolve apresentar o que de fato está acontecendo fora do refúgio e coloca mais um desafio a ser enfrentado. Embora traga um resolução para a história, estes últimos quinze minutos destoam em tom do resto da narrativa, não parecendo pertencer, organicamente, ao filme que foi apresentado antes. Se tivesse sido um pouco mais corajoso, Rua Cloverfield, 10 poderia ter acabado de maneira menos óbvia e mais aberta, favorecendo  outras teorias sobre o que estava acontecendo com o mundo enquanto os três estavam no refúgio. É um pequeno erro, que possivelmente só existe por uma necessidade de criar um desfecho mais convencional para o longa, mas que incomoda porque tudo o resto do filme é tão redondo e bem conduzido que o final merecia algo do mesmo nível.


A trilha sonora é perfeita, criando tensão e mistério em um ambiente fechado, angustiante e em uma situação carregada de dúvidas. A direção de arte é eficiente ao criar o refúgio ao mesmo tempo aconchegante, parecendo com uma casa normal, e frio como um bunker militarizado, de acordo com a disposição de objetos e mobília, além de contar com uma fotografia que utiliza cores quentes para determinados ambientes do lugar e cores frias para outros, criando um contraste que favorece o desconforto que o ambiente como um todo causa no espectador. Os efeitos especiais, utilizados principalmente no ato final, são bem dosados e bem realizados, fornecendo credibilidade ao que está sendo apresentado. A montagem funciona de modo a sempre manter o mistério no ar e dar poucas respostas e nunca todas de uma vez, mantendo a atenção do espectador, assim como sua mente trabalhando exaustivamente para tentar entender o que está acontecendo. Sabendo que apenas três personagens interagindo fornece poucas possibilidades de novidades a serem apresentadas durante a projeção, a montagem tem o mérito de não deixar o ritmo cair, sempre apresentando novos acontecimentos que mantém o público imerso na tela. 


Mary Elizabeth Winstead está ótima no papel principal e a interpretação da atriz cresce junto com a personagem. A atriz, que é muito competente e infelizmente ainda não teve um papel que a colocasse em holofotes maiores, coloca uma energia na personagem que impulsiona a narrativa para frente. John Goodman está perfeito como o misterioso dono do refúgio e o mais instável personagem do filme. A instabilidade psicológica do personagem é totalmente transmitida pelo ator e a sua imponência física faz o papel perfeito para criar um obstáculo difícil de ser superado. John Gallagher, Jr tem a função de facilitar o vínculo entre personagens e público, já que seu personagem é divertido, inocente e voluntarioso o suficiente para cativar quem assiste ao longa. O ator é competente nessa função, e sua dinâmica com Mary Elizabeth Winstead convence e movimenta a história.


Rua Cloverfield, 10 é daquele tipo de filme que é melhor aproveitado se o espectador não souber nada sobre ele. As surpresas que se sucedem a cada minuto agradam, o clima angustiante favorece a imersão na narrativa e a dinâmica dos personagens é instável o suficiente para que tudo possa acontecer a qualquer minuto. Uma surpresa que veio do nada, sem aviso prévio e que merece ser assistida.

NOTA: 9,0

 

[youtube]https://www.youtube.com/watch?v=wsy1dhbAyRI[/youtube]

 

 

INFORMAÇÕES

Título Nacional: Rua Cloverfield, 10 (10 Cloverfield Lane)
Direção: Dan Trachtenberg
Duração: 103 Minutos 
Lançamento: Abril de 2016
Elenco: Mary Elizabeth Winstead, John Goodman e John Gallagher, Jr.




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Derek Moraes

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